CULTURAL: Revolução de 1923

A Revolução de 1923

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A Revolta de 1923, também conhecida por “Revolução Assisista”, teve causas e origens semelhantes àquelas da Revolução Federalista. A questão fundamental era político-ideológica, ou disputa pelo poder. Em 25 de janeiro de 1898, Júlio de Castilhos transmitiu a presidência do Estado ao Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, cujo governo se estendeu até 1907, mercê da reeleição em 1902.

Em 1907 concorreram ao governo, para suceder a Borges de Medeiros, Fernando Abott e Carlos Barbosa Gonçalves. Este último, representante da situação, apresentado Rio Grande do Sul: História e Identidade 156 pelo PRR, resultou vencedor. Borges de Medeiros manteve-se na Presidência do PRR – Partido Republicano Riograndense.

Foi no governo de Carlos Barbosa que foi construído o Palácio Piratini, a estátua a Júlio de Castilhos, um belíssimo monumento localizado na Praça em frente ao Palácio Piratini e, com a intervenção do Barão do Rio Branco, foram liquidadas as últimas divergências de fronteira com o Uruguai, quando foi dado ao país vizinho o condomínio da Lagoa Mirim.

Em 1912 foi eleito, novamente, Borges de Medeiros. Esta segunda gestão de Borges de Medeiros foi fecunda em obras de infraestrutura, ajuste das finanças e desenvolvimento social. Destaca-se a construção do cais da capital, conclusão das obras da barra e porto do Rio Grande, encampação e remodelação da Viação Férrea, construção do Colégio Júlio de Castilhos, da Biblioteca Pública de Porto Alegre e do Quartel-general da Brigada Militar.

Em 1915, no Rio de Janeiro, foi assassinado o Senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado. Por esse tempo, ressurgiam as desavenças políticas e voltavam a se manifestar os adversários de Borges de Medeiros e dos castilhistas, muitos deles companheiros da época da Proclamação da República.

Um dos momentos mais marcantes das desavenças entre as lideranças gaúchas ocorreu em 1915, quando Ramiro Barcelos, que perdeu a disputa pela presidência do Senado para o Ex-Presidente da República Marechal Hermes da Fonseca, publicou o poemeto “Antônio Chimango” tecendo críticas pessoais, políticas e administrativas a Borges de Medeiros, usando o codinome de Amaro Juvenal.

Foi a partir desse poemeto, uma obra-prima da poesia regionalista, que os seguidores de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, até aquele momento chamados de “pica-paus”, passaram a ser, pejorativamente, denominados “chimangos”.

Chimango é um pequeno gavião, magro e de nariz longo e curvo, encontrado especialmente na região sul do Estado. Ramiro Barcelos ao alcunhar Antônio Augusto Borges de Medeiros de “Antônio Chimango”, estabeleceu um comparativo físico entre o gavião e o governante gaúcho.

Amaro Juvenal descreve assim o nascimento do governante mais importante do Estado:

“    Nos cerros de Caçapava
Foi que viu a luz do dia,
À hora d’Ave-Maria,
De uma tarde meio suja;
Logo cantou a coruja
Em honra de quem nascia.
Veio ao mundo tão flaquito,
Tão esmirrado e chochinho
Que, ao finado seu padrinho,
Disse espantada a comadre:
-“Virgem do céu, Santo Padre!
Isso é gente ou passarinho?    ”

Ao longo de todo o “Poemeto Campestre”, riquíssimo no uso de regionalismos, percebe-se o quanto de ódio e despeito estava tomado o seu autor, que por profissão foi um conceituado médico sanitarista.

Em 1917 Borges de Medeiros foi reeleito para mais um mandato de cinco anos, o que viria a se repetir em 1922.

O cenário econômico de 1922 pode ser caracterizado pelo seguinte: havia uma forte recessão após a Primeira Guerra Mundial; predominava a produção cafeeira; o setor pecuário estava em crise; a encampação do Porto de Rio Grande (1919) e da Rede Ferroviária (1921), no programa de melhoria dos transportes, comprometeu as reservas estaduais; havia uma redução generalizada dos créditos. Os pecuaristas gaúchos reivindicavam crédito especial para fazer frente à crise, mas o governo estadual não lhes deu o crédito, o que os desgostou profundamente. Assim o setor produtivo da pecuária se voltou contra o governo. Houve, sem dúvidas o aprofundamento da luta de classes entre pecuaristas e produtores agrícolas que, teoricamente, estavam sendo melhor tratados pelo governo.

Na esfera política: as eleições no Brasil (1921) fizeram Artur Bernardes (apoiado pela oposição no RS e pelo grupo cafeeiro) vencer Nilo Peçanha, este apoiado pelo PRR; Borges de Medeiros estava no poder a mais de 20 anos – política de “desenvolvimento global”; surgiu a Aliança Libertadora (republicanos dissidentes unidos a antigos federalistas); os libertadores (maragatos) pugnando pelo liberalismo e democracia, enquanto os Chimangos (borgistas) defendiam formas centralizadoras e autoritárias de governo.

No inicio da década de 1920, o PRR enfrentava novas dissenções, além daquelas sofridas ao longo da última década, mas também o partido federalista se encontrava dividido. Essa crise política “generalizada” permitiu o surgimento de iniciativas que resultaram na formação de uma “Aliança” com o objetivo de apear Borges de Medeiros do poder.

Joaquim Francisco de Assis Brasil foi o escolhido para ser o candidato pela Aliança Libertadora (maragatos federalistas somados aos dissidentes do PRR), na disputa eleitoral de 1922, contra Antônio Augusto Borges de Medeiros (chimango) que se candidatava para o 5° mandato.

A campanha foi marcada por fortes acusações de parte a parte, com alguns atentados pelo interior do Estado.

No dia 25 de novembro ocorreram as eleições, resultando vencedor Borges de Medeiros, com mais de ¾ dos votos, índice mínimo exigido para a reeleição.

A oposição acusou fraude nas eleições. A Comissão de Constituição e Poderes, da Assembleia Legislativa, proclamou o resultado final da eleição, em 16 de janeiro de 1923. Borges de Medeiros recebeu 106.360 votos, enquanto Assis Brasil obteve 32.216 votos.

No mesmo dia que Borges assumiu o governo para o quinto mandato, 25 de janeiro de 1923, iniciou o movimento revolucionário. Nos meses de janeiro e fevereiro a revolução se restringiu a Passo Fundo, Palmeira das Missões, Nonoai e Erechim. No fim de abril a revolta tomou conta de todo o Estado.

As principais colunas rebeldes foram as seguintes: na região de Palmeira das Missões: Leonel Rocha; no Planalto do Nordeste: Felipe Portinho; na Fronteira do Sudoeste: Honório Lemes; no Centro-Sul: Estácio Azambuja; e no Sul: José Antônio Netto (Zeca Netto).

As tropas governistas foram constituídas pela Brigada Militar e pelos Corpos Provisórios organizados em todo o Estado.

Emergentes líderes republicanos se engajaram na luta: José Antônio Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Getúlio Dorneles Vargas, Firmino Paim Filho, entre outros. Para fazer frente aos rebeldes, o governo gaúcho organizou cinco Brigadas Provisórias: 1ª Brigada Provisória do Norte: Gen. Firmino de Paula; 2ª Brigada Provisória do Oeste: Gen. José Antônio Flores da Cunha; 3ª Brigada Provisória do Sul: Cel. Juvêncio Maximiliano Lemos; 4ª Brigada Provisória do Nordeste: Cel. Firmino Paim Filho; 5ª Brigada Provisória do Centro: Cel. Claudino Nunes Pereira.

Cada Brigada contava com um efetivo variável entre 1.500 e 2.000 homens. Os rebeldes esperavam que, com o estabelecimento da luta armada, o governo federal interviria no estado depondo Borges de Medeiros, mas isso não ocorreu. 

Presidente Arthur Bernardes alegando falta de base constitucional para a intervenção, deixou os rebeldes à própria sorte.

A revolução de 1923 não teve grandes combates, podendo ser caracterizada como uma “guerra de guerrilhas”. As escaramuças foram geralmente caracterizadas como “ataca e se esconde”. A tática rebelde rendeu bons resultados no início, mas quando a Brigada adotou a mesma forma de combate, a situação reverteu e os rebeldes minguaram. 

Em 14 de dezembro de 1923, no Castelo de Pedras Altas, de propriedade de Assis Brasil, foi assinada a “Ata de Pacificação”. As condições para a pacificação incluíam especialmente os seguintes pontos: Proibição de reeleição do Presidente do Estado e dos intendentes municipais; eleição do Vice-presidente; revisão da Constituição Castilhista de

1891; e anistia aos revoltosos. Se os maragatos não foram vitoriosos na tentativa de depor Borges de Medeiros, tiveram grande vitória política ao conseguirem alterar o sistema vigente.

O Pacto de Pedras Altas praticamente encerrou o período de influência direta das ideias de Júlio de Castilhos na administração do Estado. Com o Pacto de Pedras Altas, o controle exclusivo do PRR no Estado entrou em declínio. A conciliação da classe dominante rio-grandense começou em 1923, com o Pacto de Pedras Altas, e completou-se em 1929 com a formação da Frente única que elegeu Getúlio Dorneles Vargas Presidente do Estado, numa composição entre situações e as oposições.

Com o fim da revolução e os acordos entre governo e oposições, os grupos políticos da classe dominante gaúcha assumiram formas novas de organização e articulação entre si e com as demais classes da sociedade sul-rio-grandense, num processo de

recomposição do bloco hegemônico. De alguma forma os gaúchos, mesmo que pela força das armas e pela luta intestina, se antecipou ao que ocorreria no Brasil em 1930 que acabaria com a República Velha. Novos tempos se iniciaram. Não mais se falava de chimangos e maragatos, mas de um concerto politico que garantisse ao Estado melhores condições para o enfrentamento da crise econômica que marcou os anos 20 do século XX.

Em fevereiro de 2023